Textos publicados no Respingando

Sunday, September 20, 2009

SALVA TEU IRMÃO

Em Toulon achava-se no porto uma fragata chamada “La Provence”.
Tinha-se dado um acidente a bordo dessa embarcação. Em conseqüência disso, um marinheiro caiu no mar, e estava em perigo eminente de soçobrar.
Naquele lugar, o mar oferecia grande perigo. O pobre marujo já se tinha submergido, mas ainda havia probabilidade de voltar à tona. Diante desse perigo, dois homens se atiraram ao mar para salvá-lo: o capitão, M. Aestrachi e o capelão de bordo, Padre Tenaille.

Quando o pobre náufrago subiu à tona, o capelão conseguiu agarrá-lo e assim livrá-lo da morte. Os dois heróis, que expuseram suas vidas para salvar a do pobre tripulante da fragata, foram largamente encomiados pela imprensa contemporânea.

Há homens tão desumanos que tiram a vida do seu semelhante para se apropriarem dos seus bens. E há homens tão humanos que expõem a própria vida para salvar a vida do próximo.

Quando a fé vem em auxílio das boas disposições humanas, a generosidade em favor do próximo cresce de ponto e as ações heróicas se multiplicam.(p. 48)



UM PROGRAMA
Trabalho e oração é o binômio que conduz à felicidade. O homem, que ora, aplica as potências da sua alma em se entreter com Deus. O homem que trabalha, com um fim santo, aplica suas forças físicas e intelectuais ao serviço de Deus. Santo Antão vivia sozinho no meio de um vasto deserto. Dava-se à oração, com admirável perseverança. Mas, por vezes, confessa ele, sentia-se triste porque sua oração era atormentada por divagações e trevas. Recorreu então a Deus, com grande fé, pedindo um remédio para a sua alma. Entrou então em sua cela e lá viu um homem que trabalhava atentamente e depois orava. Ficou persuadido de que era um anjo mandado por Deus para lhe dizer: Faze como eu. E o Santo tomou como programa de vida – Orar e Trabalhar.

Realmente, as duas ocupações, alterando-se, completam-se. Depois da oração, o trabalho é um descanso; depois do trabalho, a oração é um repouso. Na solidão imensa em que vivia o grande anacoreta, essa alternativa fazia-lhe o tempo curto. Lucrava a oração que se tornava mais atenta; lucrava o trabalho que se tornava mais diligente. São Paulo, que se exercitava em altíssima oração, a ponto de ser arrebatado ao terceiro céu, ocupava-se em fazer cestas como simples operário.(p.46)


O CAVALO ROUBADO
O imperador Henrique, célebre por suas grandes virtudes, tinha recebido de presente um cavalo de qualidades raras. Várias vezes realizou os seus passeios nessa cavalgadura, digna das cavalariças imperiais.
Quem lhe fez presente desse animal foi o superior de um convento, o qual o havia comprado de um desconhecido.
Sucedeu que, certo dia, ao entrar o imperador em uma cidade montado no seu cavalo, um soldado se aproximou e disse que aquele cavalo lhe fora roubado... De fato, um ladrão de cavalos desconhecido o havia roubado e vendido ao superior do convento. O santo imperador não perdeu a calma. Disse ao soldado que podia levar o animal com a sela imperial e tudo mais. Supôs o soldado que o imperador não estivesse falando seriamente. Mas este insistiu. A comitiva do imperador ficou admirada e mais ainda o pobre soldado.
O respeito aos bens alheios nasce, naturalmente, nas consciências bem formadas. Quando esse exemplo vem do alto, das autoridades, das pessoas altamente colocadas, as pessoas humildes aprendem a reconhecer os direitos dos seus semelhantes.
O fato acima é relatado pelo conhecido historiador Baronius.(p. 43)

MANTENHA A PAZ DA ALMA
O Santo Cura d’Ars, certa manhã, recebeu uma carta de insultos que o tratava como criminoso e hipócrita. O Santo sorriu. Não perdeu o seu bom humor.

À tarde do mesmo dia, recebeu outra carta inteiramente diversa. Era toda de elogios. Chamava-lhe santo. O Cura d’Ars sorriu, como ao receber a primeira carta.
Depois mostrou ambas as cartas a algumas pessoas, para mostrar como é desprezível o juízo dos homens e comentou: a primeira não me fez pior do que sou, a segunda não me fez melhor.
O juízo de Deus faz de nós é que nos deve impressionar, porque ele conhece os refolhos da nossa alma. Os homens ainda mais bem intencionados não podem adivinhar o que somos no nosso íntimo.

Dá-se, porém, que o interesse entre muito nos juízos humanos. Se alguém espera de nós algum favor, é fácil que nos dirija louvaminhas e lisonjas. Se alguém nos olha com maus olhos, podemos esperar juízos depreciativos, talvez até caluniosos.

Não nos vangloriemos com os louvores, nem nos acabrunhem os vitupérios. A boa consciência nos baste e a paz não desertará do nosso espírito.(p. 40)

OS TESOUROS DE CRESO
O rei Creso era possuidor de uma fortuna imensa. Punha a sua felicidade nesse acúmulo de ouro, como se consistisse a felicidade em dispor dos bens terrenos a mancheias.
Contemporâneo de Creso era o filósofo Sólon, o qual, certo dia, foi interpelado pelo rei que desejava ouvir do filósofo algum elogio às suas riquezas. Mas Sólon o decepcionou porque não duvidou em lhe dizer, como toda a franqueza, que não estava a felicidade no possuir muito ouro.
Creso não gostou do conceito emitido pelo austero filósofo. Sucedeu, porém, que aquele teve de entrar em guerra. Foi derrotado e feito prisioneiro. Seu vencedor foi cruel para com ele: condenou-o a ser queimado vivo.
Todo o ouro do infeliz rei não pode livra nem da humilhação, nem do suplício. É bem provável que, ao ver a fogueira em que ia ser colocado, lhe tenham ressoado aos ouvidos as palavras de Sólon, ao lhe dizer que a felicidade não residia no ouro acumulado em suas mãos.
O Mestre Divino nos recomenda que tratemos de ajuntar tesouros não na terra, mas no céu, onde a ferrugem não estraga a riqueza.
Se contássemos os homens mais felizes da terra e se entre eles encontrássemos algum rico, verificaríamos que a causa da sua felicidade não seria a riqueza, mas a generosidade com que a distribuía.(p.37)

CUIDADO COM O GRISU
Nas minas de carvão, por vezes, aparece uma pequena nuvem esbranquiçada de um gás a que chamam grisu. Trata-se de uma das numerosas combinações do hidrogênio com o carbono.
Os operários que trabalham nessas minas têm grande cuidado para evitar a explosão do grisu, pois e muito inflamável.
Acender um fósforo no interior dessas minas pode ocasionar um desastre pavoroso.
Há temperamentos eminentemente inflamáveis. Uma fagulha pode provocar neles um incêndio como nas minas. A providência a tomar, a fim de evitar a explosão, é arejar a mina para que a nuvem de grisu se difunda na atmosfera. Aquele amigo precisa também dissipar seu mau humor, a fim de se não inflamar ao contacto de qualquer atrito.(p. 30)

FALSAS PROFECIAS
De vez em quando corre a notícia de que o mundo se vai acabar em tal ano... Muitos se apavoram e o mundo não se acaba.
Quando se aproximou o ano 1000, circularam muitas notícias desse gênero. Algumas nasceram da falsa interpretação dos Livros Santos, por exemplo do Apocalipse; outras de fantasias doentias que propalam o que imaginam.
Poucos anos antes do ano 1000, diziam que a festa da Anunciação (25 de março) ia coincidir com a sexta-feira santa e então seria o fim do mundo. Deu-se a coincidência, caiu a sexta-feira no dia 25 de março e o mundo não se acabou.
O Santo Abade Abdon, de Fleuri, que viveu por esse tempo, dirigiu-se ao Rei, para lhe pedir que impedisse a circulação dessas notícias imaginosas, pois não havia bases para elas. Homem de grande ciência e virtude, compreendeu que não se devia propalar uma “profecia” que não tinha a aprovação da Igreja. O homem deve estar sempre de malas arrumadas para a última viagem, pois o fim do mundo para ele é nesse dia da partida para a eternidade.(p.31)

DOMINA-TE

Conta frei Celestino, O.F.M., que o célebre bispo, Ketteler, quando moço, tinha um caráter extremamente violento.
Esse moço, entretanto, tinha belíssimas qualidades. Entrou no seminário, ordenou-se e depois foi sagrado bispo.
Trabalhou tanto na reforma do seu caráter que conseguiu dominar-se soberanamente.
Já no governo da sua Diocese, teve de enfrentar terrível perseguição que a impiedade armara contra os ministros de Deus.
Certa vez, ia pela rua e uma criança correu ao seu encontro e tomou-lhe a mão como para beijá-la.
Entretanto, cuspiu-lhe na mão e quis correr. Ma o bispo a deteve pelo braço e lhe perguntou: “Minha filhinha, quanto foi que te deram para cuspir em minha mão” ? – “Dois tostões – respondeu”. – “Pois bem, toma dez tostões, para nunca mais fazeres isto”. Nada perdeu da sua mansidão conquistada, em vários anos de luta, com seu próprio temperamento, impulsivo e colérico.
Ninguém diga: “Não posso dominar, não sei conter nos assomos de indignação, quando vejo ou sofro um desacato”. Com um trabalho constante, auxiliado pela graça, que não falta, sempre poderás dominar os ímpetos de cólera. É indispensável, porém, o exercício, para nos dominarmos nas surpresas das contrariedades que por vezes nos assaltam.(p.29)

O ELEMENTO SOBRENATURAL

O santo Arcebispo de Granada, de nome Fernando, tinha sido hábil conselheiro do rei, que nele depositava toda a confiança e lhe confiava o andamento de negócios muito importantes.
Isto não deixava de causar inveja a alguns cortesãos. Estes procuravam qualquer ponto da vida de Fernando para seus reparos e censuras. Certa vez,foi o tempo perdido – diziam eles – diariamente, com a missa, quando negócios gravíssimos estavam a exigir dele solução pronta. Fernando veio a saber disso, mas não se afligiu. Deus prazerosamente esta razão: “Um soberano desta terra me confiou graves problemas a solucionar. Cumpre-me recorrer ao Soberano dos Céus que tem luzes, forças e tudo quanto hei de mister para levar a bom termo os negócios do meu rei”.
Não é perdido o tempo da missa. Uma hora abençoada por Deus vale por muitos dias e talvez por muitos anos de atividade exaustiva, de forças meramente humanas.
Tempo perdido é sobretudo o das atividades senão contra ao menos sem Deus. Nosso povo, de vez em quando assim se expressa: o muito sem Deus é pouco; o pouco com Deus é muito. Os cálculos de fé são por vezes não contrários, mas independentes das leis matemáticas.
A matemática desconhece o elemento sobrenatural.(p.14)

REFERÊNCIA

LUSTOSA, Antônio de Almeida. Respingando. 2˚ Volume. Imprensa Universitária do Ceará: Fortaleza, s/d.




UMA LENDA

Meus amigos, vou-lhes contar uma lenda. Lenda é lenda, mas encerra alguma bela lição.

Era na Rússia. Não na Rússia de hoje, mas na antiga, em que a Religião Católica podia viver e vivia florescente.

Fazia-se ali a festa de São Cassiano, de quatro em quatro anos, e também a de São Nicolau, mas todos os anos.

Eis aqui a razão de ser um santo quatro vezes mais festejado do que o outro.

Certo dia, um carreiro conduzia grande carga no seu carro. Ao atravessar um terreno úmido, o carro atolou até o eixo. P carreiro esfalfou-se, lutando por conseguir arrancar o carro da lama. Os bois que tiravam o carro eram impotentes. Passou por ali São Cassiano. Compadeceu-se muito do carreiro, disse-lhes mui belas palavras de animação e se foi. Passou depois São Nicolau. Meteu-se na lama, ajudou o carreiro no descarregar o carro e tanto fez que livrou o carro do atoleiro. Suado e coberto de lama, prosseguiu o seu caminho.

A história é inverossímil, mas encerra uma bela lição: se nos é possível, auxiliemos nossos irmãos praticamente, a fim de se tornar eficiente a nossa caridade.(p. 45)

PENSAR E AGIR
Habilíssimo escultor fez uma estátua do Pensamento. Conseguiu fazer um homem de mármore com tal expressão que parecia realmente mergulhado em profunda meditação. Os sobrolhos franzidos, os músculos da face retesados, o olhar profundo. Dir-se-ia uma pessoa realmente reconcentrada, absorta por uma grande idéia.

Mostraram a São Felipe Néri a primorosa escultura. Chamaram-lhe a atenção para aquele olhar, alheado inteiramente de tudo o que estava em derredor e todo voltado para dentro da alma... O Santo, que era ótimo psicólogo, observou tudo atentamente, e depois disse: “Entretanto, eu noto nessa estátua um grande defeito!” – “Pois bem- disse o Santo – o defeito é que essa estátua pensa, pensa, mas, mas... nunca executa.”

Há muita gente como essa estátua do Pensamento. Vivem com belos projetos; idealizam castelos e mais castelos; mas seus planos não passam de planos. Os sonhadores, oh! Os sonhadores. Muito melhor seria que sonhassem menos e agissem um pouco mais. (p.43)

OS PRETEXTOS DO VÍCIO

Meus amigos, vejam lá esta. Certo alfaiate pouco escrupuloso tinha o feio costume de ficar com retalhos de fazenda bem grandes, quando entregava prontas as roupas aos fregueses. Ora, uma bela noite ele teve um sonho pavoroso: alguém lhe roçava o rosto com uma enorme bandeira. E a bandeira era feita dos retalhos que ele havia roubado aos fregueses. Impressionado, contou à mulher o sonho. Quando, então, ela via que o marido ia entregar alguma peça de roupa encomendada, logo lhe dizia: “Recorda-te da bandeira!”
E, com isso, o homem da agulha e da tesoura passou muito tempo sem roubar cousa alguma. Um dia, porém, caiu na tentação. Escondeu um bom pedaço de fazenda fina com que fizera um terno de roupa encomendada. Quando a mulher lhe disse, como de costume: “Recorda-te da bandeira!”, ele respondeu: “Mulher, desta cor não me lembro de ter visto retalho algum na bandeira”.
Quando a boa vontade falha, qualquer pretexto serve. O alfaiate se esqueceu depressa da lição tão grave que recebera.(p.47)

NÃO FAZER AOS OUTROS O QUE
NÃO QUERES QUE TE FAÇAM
Meus amigos, os grandes artistas tinham, muitas vezes, suas originalidades.
Do grande pianista Chopin conta-se que tinha um amigo, sapateiro modesto, o que se tornou rico. Um dia o musicista foi almoçar em casa do amigo. Logo depois da refeição, o dona da casa pediu a Chopin que tocasse alguma cousa. O pianista não queria tocar e se escusava dizendo que havia feito a refeição naquele momento. O dono da casa insistia dizendo: “Eu quero apenas ver como se faz”.
Passados alguns dias, Chopin convidou o amigo para almoçar com ele. No meio da refeição o célebre artista faz colocar na sala de jantar uma banca de sapateiro e pede ao convidado que lhe ponha meia sola em um par de sapatos.
Todos os presentes estranham o convite tão original. Mas o pianista se explica: “Eu quero ver como se faz”.
Este fato faz lembrar a fábula da raposa que convidou a cegonha para jantar com ela. Na mesa da raposa só havia iguarias líquidas servidas em pratos rasos. A raposa, com sua astúcia, ingeriu todo o jantar. A convidada, de longo bico, ficou em jejuem. Dias depois, a cegonha retribuiu a gentileza. Na sua mesa só havia bilhas e moringas de colo longo. Desta vez foi a raposa que ficou a ver navios.
Não faças a outrem o que não queres que te façam.(p.48)

O BOM SENSO

Um pai, querendo pôr à prova o bom senso dos seus dois filhos, disse-lhes: Aqui está uma laranjeira carregada de frutos. Eu vou dar a um os frutos sem a árvore, aos outro a árvore sem os frutos. O mais moço escolheu os frutos, o mais velho, a árvore. No dia seguinte, o mais velho tinha árvore e frutos, o mais moço, nem árvore nem frutos.
Um pai deixou a seu filho uma educação má e a herança de cem mil cruzeiros. Outro pai deixou uma boa educação e nenhum bem de herança.
Dentro de alguns anos, o filho do primeiro pai estava sem dinheiro e sem educação; o filho do segundo com uma bela fortuna e ótima educação.
Os que só cuidam de gozar nesta vida e desprezam a fonte da verdadeira felicidade, que é a prática da vida cristã, demonstram não ter bom senso. Nada tão triste como chegar ao momento da morte com as mãos vazias de boas obras e a alma cheia de más ações.(pp.49-50)


SER PRECAVIDO
Meus amigos:
Em X havia animada feira de gado cavalar. Todas as semanas, ali se reuniam centenas de cavalos. Os vendedores e compradores lá estavam a examinar os dentes e cascos dos eqüinos de todos os tamanhos e cores.
Mas rara era a semana em que ali não registrava um desastre de coice animal. Certo dia passou por ali um charlatão vendendo um preventivo contra coices. O original negociante formou um grande círculo de curiosos e lhes falou assim: “Dentro desta caixinha lacrada está o prodigioso preventivo. É infalível. Quem o usa nunca é atingido por coice de cavalo. A caixinha só pode ser aberta à noite; se abrirem de dia, perde-se tudo. E é baratíssima.
Nosso bufarinheiro vendeu todo o estoque e desapareceu.
À noite, os possuidores do precioso preventivo abriram cuidadosamente a caixinha. Dentro, encontraram um cordãozinho de três metros de comprimento e um bilhetinho com estes dizeres: “Quem quiser evitar coice de cavalo, passe três metros longe dele”.
Para muitos males também de ordem moral só existe um preventivo – fugir das ocasiões, pois a ocasião faz o ladrão.(pp.50-51)


EVITAI AS QUESTÕES
Dois ratos encontraram um queijo tentador. Era mesmo de encher os olhos! Belo, cheiroso como ele só. Os dois felizardos resolveram dividi-lo ao meio. Para evitar questões, pediram ao juiz que fizesse a divisão. O juiz era um respeitável macaco. Sentou-se à mesa. Lá estavam um facão e uma balança. Ia-se proceder com impecável justiça. O juiz mediu com o olhar a saborosa esfera e deu o golpe. A balança acusou maior peso em uma parte do que na outra. “Isto se concerta” – diz o juiz – e deu uma formidável dentada na parte mais pesada. A balança fez ver que essa parte ficou mais leve do que a outra. O íntegro juiz deu nova dentada nesta outra parte. Não conseguiu equilibrar as partes: uma ficou pesando menos que a outra. E a operação continuou: mais um naco desta, mais um daquela...
Resultado: a saborosa esfera passou integralmente para o nobre estômago da Justiça. Mas o meretíssimo juiz, por nímia gentileza, nada cobrou pelos seus serviços.
Há um provérbio popular que diz: Quem anda em demanda, com o demo anda. (pp.37-38)


O BOM AMIGO
Às vezes passa a alguma boiada por esta estrada. No meio dos outros bois, vai algum jungido a outro. É uma junta que vai entre os outros bois.
Perguntei para que aquilo. Os bois caminhando soltos e só aqueles dois atrelados um ao outro.
Então me explicaram que um deles era “marruá”, ou seja, boi novo, ainda não domesticado. Jungia-se a outro boi manso para que ele fosse contido, quando quisesse disparar, ou investir contra alguém. O boi manso controlava perfeitamente o boi bravo.
Feliz quem encontrou na vida um bom amigo. Quantas vezes um moço imprudente, impetuoso, desajuizado, se tem a felicidade de estar ao lado de um bom amigo, sente logo os benéficos efeitos da boa amizade! Quer-se precipitar, a mão amiga o contém; está para resvalar, o braço amigo o ampara. Que tesouro um bom amigo! Por isso o sábio faz tão belo elogio do bom amigo.
Quem o encontrou, encontrou uma riqueza. Bem diz o brocado: dize-me com quem andas e dir-te-ei que és. (p.22)

TANCHEMOS BOAS ESTACAS

O verbo tanchar já caiu da moda. Quase só se usa no antigo provérbio: “Quem muitas estacas tancha, alguma lhe há de tachar”. Mas deixemos passar o têrmo arcaico. Quem viaja nos grandes rios ou em certos mares nota que o piloto está sempre a observar as balizas que marcam o canal. Sem esses balizas é inevitável o encalhe ou abalroamento da embarcação. Essas balizas são, muitas vezes, simples estacas tanchadas ao longo do canal. O barco da nossa vida navega em rios tortuosos. Aqui, um banco de areia, ali um escolho. Ah! Se não estiver bem balizado o canal! “Mas quem nos tanchará as estacas-baliza?” – Nós mesmos. O moço já sabe que aquela leitura lhe foi prejudicial – tanche ali uma estaca. Aquela taberna causou tanto mal à sua vida passada – tanche ali uma estaca. A mesa do pano verde quanta lágrima já fez derramar a sua família! Tanche ali uma estaca. Já sabe que aquele é um mau inimigo, tanche ali uma estaca.
Aí está um roteiro traçado pela experiência pessoal.(p.10)

REFERÊNCIA
LUSTOSA, Antônio de Almeida. Respingando. 2˚ Volume. Imprensa Universitária do Ceará: Fortaleza, s/d.

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